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Cultura

Paleontólogos criticam Virgin Galactic por enviar ao espaço fósseis humanos de até 2 milhões de anos

Por João Paulo Martins  em 13 de setembro de 2023

A missão espacial da empresa do bilionário Richard Branson levou fósseis dos hominídeos Australopithecus sediba e Homo naledi

Paleontólogos criticam Virgin Galactic por enviar ao espaço fósseis humanos de até 2 milhões de anos
Voo da missão VSS, da Virgin Galactic, ocorreu na última sexta (8/9) (Foto: Virgin Galactic/Divulgação)

 

Na última sexta (8/9), uma nave espacial da Virgin Galactic, empresa aeroespacial do bilionário britânico Richard Branson, chegou a 88 km acima da superfície Terra, no limite do espaço, carregando não apenas a tripulação formada por dois pilotos da Virgin Galactic, um instrutor de astronauta e três passageiros, mas fósseis de duas antigas espécies humanas que viveram há centenas de milhares de anos no sul da África.

A viagem da missão VSS com os restos mortais dos hominídeos pousou em segurança uma hora depois, mas gerou uma repercussão negativa em muitos arqueólogos, paleoantropólogos e outros cientistas. Citados pela revista científica Nature, os especialistas dizem que a viagem foi um golpe publicitário antiético que colocou em risco fósseis de valor inestimável, o que levanta questões sobre a proteção do patrimônio cultural na África do Sul. Uma agência governamental autorizou a missão da Virgin Galactic.

“Tratar os restos humanos ancestrais de uma forma tão insensível e antiética e lançá-los no espaço só porque é possível, não gera qualquer mérito científico”, critica a geóloga Robyn Pickering, da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, em entrevista à renomada revista.

Outros fósseis – incluindo ossos de dinossauros – já foram levados ao espaço em várias missões desde a década de 1980, mas esta é a primeira vez que fósseis de hominídeos antigos deixam a Terra. O voo da Virgin Galactic levou para o espaço restos mortais do Australopithecus sediba, que viveu há cerca de dois milhões de anos, e do Homo naledi, com cerca de 250 mil anos. As duas espécies foram encontradas perto de Joanesburgo por equipes lideradas pelo paleoantropólogo Lee Berger, que hoje trabalha na National Geographic, em Washington, nos EUA.

 

Paleontólogos criticam Virgin Galactic por enviar ao espaço fósseis humanos de até 2 milhões de anos
Entre os fósseis levados ao espaço estava um exemplar do Homo naledi, com cerca de 250 mil anos (Foto: Peter Schmid/University of Witwatersrand/Divulgação)

 

Em julho deste ano, a Agência Sul-Africana de Recursos do Patrimônio (SAHRA, na sigla em inglês), que fica na Cidade do Cabo, permitiu que Berger transportasse um osso do ombro do A. sediba e um osso do dedo do H. naledi até o Novo México (EUA), onde está localizada a base de lançamentos da Virgin Galactic. Os fósseis ficaram sob a responsabilidade do empresário sul-africano Tim Nash, um dos passageiros.

O requerimento de Lee Berger à autoridade sul-africana dizia que poderiam ser realizados estudos científicos com os fósseis, mas que esse não era o objetivo principal do pedido. “Os principais parceiros da mídia ajudarão a aproveitar essa oportunidade única para conscientizar a ciência, a exploração, as origens humanas e a África do Sul e seu papel na compreensão da ancestralidade africana compartilhada da humanidade”, diz o requerimento, citado pela Nature.

A geóloga Robyn Pickering, que fez parte da equipe que determinou a idade dos vestígios do A. sediba, diz que tais justificativas não superam os riscos do voo espacial, incluindo a possibilidade de perder ou danificar os restos mortais. A questão é ainda mais séria porque o fóssil do A. sediba foi o primeiro a ser descoberto, servindo de referência para a definição da espécie.

Para o arqueólogo Yonatan Sahle, da Universidade da Cidade do Cabo, o envio de fósseis africanos para o espaço lhe remetem a práticas da era colonial e neocolonial, em que investigadores brancos, na sua maioria europeus e americanos, subjugavam as instituições africanas à sua vontade. “Como alguém que é africano e está baseado numa instituição africana, isso é basicamente uma perpetuação do passado, aspectos muito feios da investigação paleoantropológica”, reclama o cientista à revista.

Em resposta às críticas dos especialistas, Ben Mwasinga, funcionário da Agência Sul-Africana de Recursos do Patrimônio, em comunicado enviado à imprensa, diz que a instituição estava “satisfeita com o fato de o benefício pela divulgação associada à missão foi adequadamente ponderado em relação ao risco inerente de viagens dessa natureza.”