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Ciência

Macaco da Amazônia cria “sotaque” para falar com vizinho

Por João Paulo Martins  em 28 de maio de 2021

O saium-de-coleira adaptou seu chamado para que outra espécie de mico pudesse compartilhar seu território em paz

Macaco da Amazônia cria “sotaque” para falar com vizinho
Cientistas descobriram que o sauim-de-coleira (foto) passou a adotar um “sotaque” novo para compartilhar o habitat com o sagui-da-mão dourada (Foto: Wikimedia/Whaldener Endo/Creative Commons/Reprodução)

Existem vários sotaques no Brasil e, às vezes, acabamos adotando algum deles para facilitar o entendimento com os moradores locais. Isso também ocorre no reino animal. Um estudo recente mostra que uma espécie de mico da floresta amazônica adaptam a vocalização para compartilhar o espaço com outro morador.

Publicada no início de maio no periódico científico Behavioral Ecology and Sociobiology, a pesquisa revela que o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) parece ter mudado seu chamado típico para algo mais próximo do usado por saguis, de modo que as duas espécies possam entrar em acordo sobre o território.

Segundo o estudo, os micos usam assobios longos e agudos para alertar os outros indivíduos de sua presença e impedi-los de chegar perto demais. “Ninguém quer brigar. Você grita primeiro para avisar uns aos outros. É uma forma de manter o espaço entre os grupos”, conta o pesquisador Jacob Dunn, da Universidade de Cambridge, um dos autores do estudo, citado pelo site New Scientist.

Os sauins-de-coleira têm uma vocalização que soa pura, enquanto na maior parte da Amazônia os cantos dos saguis-da-mão-dourada (Saguinus midas) são semelhantes, mas abrangem uma faixa de frequência mais ampla.

A pesquisadora brasileira Tainara Sobroza, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus, participou do estudo recém-publicado e avaliou se os chamados das duas espécies soariam ainda mais semelhantes no pedaço de floresta onde coabitam.

A equipe de cientistas gravou chamados dos macacos em 15 locais cujos hábitats estavam sobrepostos ou onde vivia apenas uma espécie.

No território compartilhado, embora os saguis não tivessem mudado seus chamados, os sauins passaram a adotar um grito um pouco mais puro, uma diferença que podia ser medida quando os sons eram traduzidos em um espectrograma (representação visual das ondas sonoras). “É como um sotaque porque eles estão transmitindo a mesma mensagem, mas dizendo de uma forma um pouco diferente”, diz Jacob Dunn, segundo o New Scientist.

A mudança nos cantos é vista apenas entre essa espécie de mico que vive em áreas intocadas da floresta amazônica, não em lugares onde as árvores foram anteriormente cortadas e a vegetação em regeneração é menos madura, com menos troncos grossos e, portanto, transmite o som de maneira diferente.

A adaptação da vocalização em animais já foi observada anteriormente entre diferentes pássaros que compartilham habitats, mas esse é o primeiro caso registrado em primatas.