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Cultura

Cientistas revelam trechos censurados de cartas de Maria Antonieta a amante

Por João Paulo Martins  em 02 de outubro de 2021

Após 200 anos, raios-X ajudaram a decifrar o conteúdo das partes rasuradas das correspondências entre a rainha da França e o conde sueco Hans Axel von Fersen

Cientistas revelam trechos censurados de cartas de Maria Antonieta a amante
Restaram poucas cartas escritas pela rainha Maria Antonieta ao conde Hans Axel von Fersen (Foto: Centre de Recherche sur la Conservation/Muséum National d’Histoire Naturelle/Divulgação)

 

“Não terminarei sem dizer a você, meu querido e amoroso amigo, que te amo loucamente e que não consigo ficar um segundo sem te amar”. Esse é o final de uma carta escrita pela rainha Maria Antonieta, da França, durante a Revolução Francesa (1789-1799), em janeiro de 1792. Só que em vez de ser dedicada ao marido Luís XVI, a carta foi escrita para seu suposto amante, o conde sueco Hans Axel von Fersen.

O relacionamento entre os dois exigia discrição, explica a revista americana Smithsonian, e as cartas foram trocadas enquanto a família real francesa era mantida em prisão domiciliar pelos revolucionários.

Tanto Maria Antonieta quanto Fersen queriam salvar a dinastia Bourbon, ou, pelo menos, poupar a vida dos membros da realeza. Talvez por isso as poucas correspondências que se salvaram após a revolução possuem trechos rasurados por alguém que as queria censurar. De acordo com a revista, muitas palavras e linhas inteiras se tornaram ilegíveis devido à tinta escura usada na ocultação do conteúdo, que ficou dois séculos sem ser conhecido.

Graças à tecnologia moderna, segundo a Smithsonian, a física Anne Michelin, do Museu Nacional de História Natural da França, chefiou a equipe responsável pelo trabalho de decifrar as cartas de Maria Antonieta.

Ao analisarem as rasuras, descobriram que a pessoa de mão pesada que empunhou a caneta tinteiro para censurar os textos foi nada menos que o próprio conde Hans Axel von Fersen. Essa descoberta faz parte do estudo publicado na última sexta (1/10) no periódico científico Science Advances.

 

Cartas escritas num período conturbado

 

Entre junho de 1791 e agosto de 1792, a família real francesa viveu numa espécie de prisão domiciliar no Palácio das Tulherias, em Paris, enquanto o conde sueco estava no exterior. Esse confinamento foi consequência de uma tentativa desastrosa e fracassada de os membros da realeza escaparem da capital.

A revista americana lembra que a fuga havia sido orquestrada em grande parte por Fersen. A realeza esperava reunir apoiadores na zona rural da França e recuperar o poder das mãos dos revolucionários.

Em vez disso, a família real perdeu o apoio da população, que a acusou de traição. Durante a prisão domiciliar, sob forte guarda, Maria Antonieta manteve uma complicada correspondência com Hans Axel von Fersen.

De acordo com a Smithsonian, as cartas eram entregues por intermediários, mas também escondidas usando métodos extravagantes, incluindo tinta invisível e criptografia que exigiam complicada decodificação.

 

Cientistas revelam trechos censurados de cartas de Maria Antonieta a amante
Usando raio-x, cientistas puderam identificar o material das tintas e separar a rasura do texto original de Maria Antonieta (Foto: Centre de Recherche sur la Conservation/Muséum National d’Histoire Naturelle/Divulgação)

 

Em 2 de novembro de 1791, Maria Antonieta chegou a reclamar desse processo para Fersen: “Adeus, estou ficando cansada de codificar; essa não é minha prática habitual e sempre fico com medo de cometer erros”, diz a rainha citada pela revista.

Muitas das cartas escritas por ela durante esse período conturbado foram destruídas. Mas o conde sueco manteve algumas, bem como cópias das que escreveu para a rainha francesa. Elas foram mantidas por várias gerações antes de finalmente serem compradas pelos Arquivos Nacionais da França em 1982, revela a Smithsonian.

Embora tenham a mesma aparência, as tintas usadas do final do século XVIII não eram uniformes. A equipe do Museu Nacional de História Natural da França usou espectroscopia de fluorescência de raios-X, uma análise não invasiva, para investigar a composição química dos textos.

Quando ativados pelo raio-X, os elementos emitem “impressões digitais” fluorescentes únicas, explica a revista americana. Com isso, os pesquisadores mapearam a distribuição e as proporções de diferentes elementos nas tintas das cartas originais e das partes censuradas.

Em 8 das 15 cartas analisadas, os cientistas descobriram diferenças consistentes entre as tintas do texto original e das editadas. O mapeamento dessas diferenças permitiu distinguir entre as duas tintas e tornou as palavras redigidas mais legíveis.